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#vem pra calçada

Mais citada do que ouvida, a urbanista norte-americana Jane Jacobs já dizia há quase cinco décadas que , sob a aparente desordem da cidade, a segurança das ruas e a liberdade urbana  dependem muito do uso das calçadas.  “Embora seja vida, não arte”, ela fantasiava ver no vai-e-vem dos pedestres uma intricado balé no qual dançamos como indivíduos e em grupo, reforçando-se uns aos outros e compondo um todo ordenado. “O balé da calçada a boa cidade nunca se repete de um lugar a outro, e em todo lugar está sempre repleto de novas improvisações”.

Pois bem, em São Paulo fala-se muito hoje em mobilidade e acessibilidade urbana e mais uma vez as palavras de Jane Jabocs são esquecidas. Discute-se os impactos das faixas/corredores exclusivos para ônibus, a construção de mais linhas de metrô, o pedágio urbano para carros, mais pistas para ciclistas e outras ideias concentradas apenas nos meios de transporte. E o espaço dos pedestres ?

Há poucas semanas, convidado para participar de um seminário sobre mobilidade urbana promovido pela “Folha de S. Paulo”, o arquiteto Márcio Kogan tinha 10 minutos disponíveis para sua palestra. Começou pedindo licença para apresentar algumas fotos. E foi mostrando imagens de calçadas com faixas de piso tátil para permitir a acessibilidade aos cegos.  Em uma das fotos, a faixa terminava numa parede, em outra em um poste, em outra contornava um canteiro e havia mais de um exemplo de pisos com bueiros no meio. O arquiteto não gastou um minuto e deu por encerrada ali sua participação. “Diante de uma vergonha dessas, não há mais o que se falar”. Um gesto minimalista de um técnico para marcar um protesto cidadão sem tamanho.

Certa vez questionado sobre os shoppings que proliferam pelas cidades, o urbanista e ex-prefeito de Bogotá Enrique Penalosa, surpreendeu o interlocutor com sua resposta. Ao invés de ser mais um a criticar os centros de compra – aquela coisa de estufas, etc. e tal – Penalosa foi assertivo: o problema não é o shopping, mas a cidade. “As pessoas vão ao shopping não porque lá encontram estacionamento fácil, mas principalmente porque podem caminhar por locais tranquilos, com pisos bem cuidados.  As cidades têm muito a aprender com os shoppings”.  O comércio da Oscar Freire aprendeu.

Uma em cada cinco pessoas internadas no HC por causa de quedas sofreram o acidente em calçadas com buracos,  “pedras portuguesas” soltas ou placas escorregadias. Além do inestimável sofrimento das vítimas, isso significa também um custo social enorme, se somadas as contas hospitalares, os prejuízos dos dias improdutivos e outros. Justiça se faça. O descaso é histórico e não se restringe a São Paulo. Que o diga a atriz Beatriz Segal, de 87 anos,  que vive aqui e foi tropeçar numa calçada da zona sul do Rio. Bateu o rosto, machucou-se e ficou com o olho direito roxo. “A calçada estava esburacada. Foi um tombo feio”. E olha que ela caminhava na porta de um concorrido teatro.

Nossa cidade tem, segundo a Prefeitura, 35 milhões de metros lineares de calçadas e a responsabilidade de sua manutenção é dos proprietários dos imóveis lindeiros. Há um projeto na Camara Municipal, do vereador Andrea Matarazzo (PSDB),  propondo reverter a situação. A propósito, enquanto os proprietários de imóveis estão sujeitos a multas, qual é a punição para o poder público e as concessionárias ?   Qual foi a última vez que você ouviu falar em alargamento de alguma delas ?  O que ocorre, muitas vezes, é sua diminuição para ampliação do leito carroçável. Postes espremem os pedestres contra paredes. A instalação de  lixeiras, bancas de jornal e outros equipamentos é feita de forma descoordenada e quase nunca respeita os melhores caminhos para os pedestres.

Nada contra que as mesas de bares ocupem as calçadas (a Prefeitura Municipal lucra com isso, sabia ?) desde que a medida não signifique sua privatização, algo – ao que parece – irreversível no caso dos ambulantes (que nem pagam nada para o Município). E o que dizer da abertura de baias para entradas de veículos em edifícios de luxo? Repare em seu bairro: a iluminação pública é voltada para as ruas ou para os passeios públicos ? Como estão as calçadas ao redor das praças que você conhece ? São padronizadas, garantem a circulação segura de pessoas com mobilidade reduzida, como exige a legislação ? Aliás, qual é mesmo o padrão atual, tanto que muda ?

É urgente resgatarmos o “balé da calçada”.

Júlio Moreno