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As lições de Ariella

No momento de tantas mudanças e incertezas, o que fazer com as “cidades com depressão” ou áreas urbanas em crise ? A arquiteta-urbanista  Ariella Masboungi, do Ministério de Urbanismo e Desenvolvimento Sustentável da França, tem a resposta na ponta da língua: elas devem se reinventar. “Essa é a ocasião em que o planejamento urbano é uma “mensagem de esperança” para garantir uma sustentabilidade durável para nossa sociedade”.

Ariella esteve em São Paulo em março de 2012 para participar do seminário “Diálogos Brasil-França  2012: Construir a Metrópole Contemporânea”, promovido pela Universidade Mackenzie. “Não é o país que faz projetos urbanos, são as cidades, que devem ser criativas, ambiciosas, corajosas na tarefa de tomar o destino em suas mãos”.

O conceito de uma operação urbana, diz ela, não pode ser reduzido à concepção do desenho de um território. Ele é mais amplo, pois abraça a visão da cidade que se deseja, as estratégias para se chegar lá e a forma espacial que traduza isso. “O projeto urbano é um  jogo entre uma estratégia urbana e sócio-econômica e as operações necessárias para transformar intenção em realidade”.  E isso leva muito tempo, “em geral 30 anos”, o que requer um compromisso forte e de longo prazo de suas administrações.

Cada cidade tem sua individualidade, as soluções para seus problemas são diferentes, mas  é útil conhecer circunstâncias e métodos. Ariella Masboungi resumiu em “10 lições” os pontos que mudaram a vida das cidades que não tiveram “medo do futuro” :

1 – Enfrentar as catástrofes:  cidades como Manchester, Bilbao e Beirute, por terem sofrido terríveis perdas econômicas e problemas sociais, viviam de “costas para a parede”, mas resolveram empreender projetos ambiciosos e se deram bem.

2 – A renovação urbana é a alavanca para a revitalização económica e social. “Good design leads to good economy”. Bilbao, “a nova Meca do planejamento urbano”, demonstrou a força de um projeto  que apostou na cultura em prol de uma visão estratégica de seu território com a finalidade de inventar uma nova economia para a região.

3 – O projeto urbanístico deve ser apoiado sobre a geografia do lugar e ser fácil de descrever. “Geografia é a palavra de ordem do projeto urbano contemporâneo face à perda de referências e convenções. É necessário dar especial atenção à água e natureza, como vimos no projeto de recuperação urbana dos terraços paisagísticos de Nanterre.” 

4 – É preciso casar pragmatismo com a ambição de criar herança. Aceitar o mundo tal como é: o mercado, estilos de vida, o modelo de convivência, mas igualmente preocupado com a identidade. É possível criar patrimônio. É um dever.

5 – O projeto urbanístico é mais fundamental que arquitetura, embora a qualidade arquitetónica deva estar sempre presente. Ícones arquitetônicos podem servir como marketing urbano, prestar um enorme serviço a qualquer cidade, em especial quando têm suas imagens atreladas à reputação de arquitetos famosos. Só que eles não devem mascarar o urbanismo, ocultar a visão que deu origem a tudo e que deve permanecer. 

6 – A arquitetura deve cuidar também da  infraestrutura, do parque industrial e ainda da habitação. A moradia é a “carne” da cidade”, nas palavras da arquiteta. “A qualidade de uma cidade não se escreve só com maiúsculas, são as minúsculas que fabricam a estrutura do texto, a comunidade”.

7 – É preciso ousar, correr o risco do erro. Quanto mais o projeto urbano sai do papel, mais credibilidade ele ganha e novas ações são possíveis. Muitas vezes há riscos de impopularidade ou mesmo financeiro, mas isto faz parte da ousadia. Apenas as cidades que ousam, que se atrevem a grandes investimentos ou decisões corajosas, podem alcançar o sucesso.

8 – Cada cidade precisa “inventar” ferramentas próprias para a implementação de suas operações urbanas. Em geral, são parcerias público-privada e as operações são amplamente debatidas. Elas escapam aos mecanismos obscuros dos gabinetes administrativos e asseguram a tomada de decisões em conjunto com o setor privado.

9 – A parceria público-privada só dá certo quando se administra bem a parceria público-público, se viu no Emscher Park, para revitalização do Ruhr. Sem isto, fica difícil. Todos grandes projetos estão relacionados a homens excepcionais, figuras carismáticas, capazes de enfrentar inclusive os prefeitos, mas também de  mobilizar os outros. Homem consciente da ação, seu lema é o pragmatismo.

10 – Ninguém é profeta em seu País. Bilbao é, de fato,  pouco conhecido na Espanha por conta de seu projeto urbanístico. É o mesmo para Birmingham e  Genova, em seus respectivos países. Seus métodos e ferramentas raramente servem de inspiração para outras experiências. É preciso uma melhor difusão do conhecimento dos métodos exitosos e ousados.   

A experiência européia, concluir Ariella Masboungi, mostra que a luta contra a expansão urbana pode ser feita com ofertas comparáveis e atraentes na cidade consolidada. Desde que não se perca a noção da hetereogeneidade. 

                                                                                                             Júlio Moreno

(Publicado na revista “Projeto” , edição 387, de maio de 2012)