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Uma “vacina” para os males da Internet

Há mais coisas acontecendo no ciberespaço brasileiro que a espionagem de Obama. Foi o que se constatou no 1º. Encontro Nacional da Internet Society Brasil, realizado no sábado em São Paulo. Há preocupações e progressos e o Marco Civil da Internet – objeto do encontro – é bem a síntese de ambos.

O Marco estabelece os direitos dos usuários como privacidade, liberdade de expressão e neutralidade da rede, e obrigações para os provedores de acesso e ferramentas online. Iniciativa de 2009, “a Constituição da Internet brasileira” ganhou um empurrão da presidente Dilma após a denúncia da espionagem norte-americana. Ela pediu sua votação em regime de urgência, mas o projeto tem oposição da liderança do PMDB, em especial do deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Telerj, ferrenho defensor dos interesses das teles. Essas empresas controlam a infraestrutura de telecomunicações e desejam também controlar os fluxos da informação digital, o que vai contra o princípio da Internet ser uma rede aberta, sem pertencer a ninguém.

Na sexta-feira, contudo, a Anatel anunciou um acordo com as teles, o que permitiria que esse perigo se desfaça “a tempo do Brasil não passar vergonha, no primeiro semestre de 2014, quando deve sediar evento internacional para discutir os direitos dos usuários da rede”, como afirma o engenheiro Demi Getschko, diretor presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br), braço executivo do Comitê Gestor da Internet.

Segundo ele, o Marco será uma “vacina” para combater eventuais problemas no futuro. A espionagem de outros países é um deles, se bem que – ressalta Otavio Cunha, do setor de segurança das comunicações da Abin (Agência Brasileira de Inteligência – ela já existia antes da Internet. “A novidade é a profundidade e a granularidade”. Para combater esse perigo, a Abin desenvolveu um sistema de proteção de comunicações estratégicas que “acopla a criptografia aos usuários”. Algo como os “tokens” com algoritmos próprios utilizados pelos bancos.

Quanto aos usuários comuns, pessoas físicas ou corporações, há muito o que se preocupar:

1-A proteção de dados pessoais é assunto para vigília permanente, segundo o advogado Vitor Hugo Freitas, diretor da ISOC.  É preciso que se estabeleça uma forte relação de confiança entre usuário e fornecedor. Nesse caso, a aproximação física ajuda, diz o engenheiro Galeno Garbe lembrando que a popularização da Internet no Brasil tem sido incentivada por pequenos provedores que implantam anéis de fibra ótica em cidades ou bairros de até 5 mil habitantes.   O ideal, porém, seria que fossem auditados.

2- O encontro da ISOC mostrou ainda que uso da computação nas nuvens igualmente não é imune a riscos. Não se deve fechar um contrato, sem que o provedor do serviço seja transparente em relação à proteção que oferece.

3- O compartilhamento de sinal wifi – pratica de mais de 7 milhões de brasileiros, segundo pesquisa recente – não é um crime, mas se o seu vizinho é pedófilo, por exemplo, você pode ter dor de cabeça.

Um progresso importante ocorrido este ano foi a fixação definitiva da regra para as Prefeituras implementarem as chamadas “cidades digitais”, políticas públicas de acesso gratuito à Internet – não restrito às praças, como São Paulo está fazendo –  e governo eletrônico. Por incrível que pareça, apesar de se falar tanto em inclusão digital, foram precisos cinco anos de debate a respeito. Só que para a universalização do acesso é preciso ainda autorizar a construção de redes de fibra ótica comunitárias, diz Marcelo Saldanha, do Instituto Bem Estar Brasil.   Tais redes, livres da esfera pública, seriam geridas pela população através de ONGs, associações de moradores e outras entidades sem fins lucrativos.

Para a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, da associação de consumidores Proteste, o Ministério das Comunicações e a Anatel têm negligenciado no atendimento à demanda da rede de alta capacidade, desrespeitando legislação de 2010 que fixou metas para banda larga nas escolas, oferta de infraestrutura em localidades que não despertam interesse econômico das empresas e atendimento às zonas rurais e periferia dos grandes centros.

As operadoras de telecomunicações focam na oferta de banda larga móvel, mas o Nic.br e a Telebrás enfatizam que o investimento na rede fixa é fundamental para o bom desempenho do sistema, em especial nas áreas com maior concentração populacional, pois há aplicações que só o móvel não suporta.   A Proteste apoia a campanha “Banda Larga é um Direito seu”, que defende a inclusão da banda larga no “regime público”, partindo da premissa que assim a infraestrutura instalada estará submetida a regras efetivas de compartilhamento e isonomia de tarifas.

A boa notícia é que o consumidor ganhou mais um fórum para defender sua opinião: a reestruturação dos Conselhos de Usuários das concessionárias de telefonia, com novas atribuições e direitos. As eleições ocorrerão em abril e podem concorrer indivíduos e entidades.

Criada em 1992, com sede nos Estados Unidos, a Internet Society é uma associação internacional sem fins lucrativos que visa promover o desenvolvimento de padrões da Internet e fomentar iniciativas educacionais e políticas públicas ligadas à rede mundial de computadores. Atua em mais de 130 países. Foi criada pelos pioneiros da rede Vint Cerf (considerado um dos “pais da Internet”), Bob Kahn e Lyman Chapin. O capítulo brasileiro é presidido pelo engenheiro Carlos Alberto Afonso.

Júlio Moreno

 (Publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo, em 10 de dezembro de 2013)