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O pai da Yayá não era de brincadeira

Em sua coluna dominical de 12 de setembro, Chico Ornellas escreveu sobre  Manuel de Almeida Mello Freire. “Homem severo e pouco dado às coisas do humor, poeta bissexto, tocou por muitos anos o 2º. Tabelionato de Notas e Ofícios de Mogi, a partir de um escritório com três portas abertas para a rua Paulo Frontin”.  Dele, conta Chico, não teria restado nenhum herdeiro e nenhum rastro de seu patrimônio.

Por coincidência, alguns dias atrás, arrumando minha biblioteca, encontrei entre os livros antigos que herdei da família, um pequeno exemplar de “Histórias da História de Mogi das Cruzes” de sua autoria. Na primeira página, com a típica letra enorme (e caprichosa) de um tabelião, uma dedicatória do autor ao meu avô: “Ao distinto amigo, sr. Júlio Muniz, uma lembrança do Mello Freire. 16/6/1958”.

Na abertura do livro, Mello Freire explica que reuniu alguns episódios da história da cidade, que entendia interessantes, “com profundo e sincero preito de homenagem a Mogi das Cruzes”. Entre elas, curiosamente há uma que envolve um homônimo do autor, seu avô.   

Corria o ano de 1892, a cidade tinha lá “suas seiscentas casas, quase todas dos tempos coloniais, de beirais longos e janelas de rótulas”. Era costume tradicional o trânsito de carros de bois, cheios de lenha. “Era uma beleza. O veículo percorria as ruas guinchando merencòriamente, enquanto os bois, tardos e pacatos, obedeciam aos gritos do “carreiro” arrastando sua carga”. Às vezes, havia um congestionamento de três ou quatro, que atordoavam os ouvidos, apesar de muita gente gostar daquilo. 

“Um dia, a Câmara Municipal votou enérgica lei, que o Intendente promulgou, proibindo guinchos de carros pelas ruas da cidade. Foi como se uma bomba estourasse no meio local”. Os donos dos carros julgavam aquilo uma violência, tirar o guincho era como “lhes arrancasse a própria alma”. Correram a consultar o dr. Maneco, apelido de Manuel de Almeida Mello Freire, advogado, fazendeiro e político – hoje mais lembrado como o pai de dona Yayá.   

Chefe do Partido Liberal, o Dr. Maneco, embora recém eleito senador estadual, tinha “uma continha a ajustar com a municipalidade”, pois fora derrotado em sua cidade.  Assumiu a defesa dos “carreiros”, aconselhando-os a realizarem uma greve inusitada: “..que se reunissem todos, em determinado dia, e entrassem ao mesmo tempo na cidade, percorrendo suas vias públicas com os carros em pleno “guinchamento”. Ele assumiria a responsabilidade do restante”. 

Pois foi o que fizeram: “… numa bela tarde, reunidos na rua do Pito, atual rua Ipiranga, entraram pela ladeira da Liberdade, hoje rua Paulino Freire, e surgiram na rua Nova, atual Senador Dantas. O espetáculo era empolgante. Os carros, em número de cinqüenta, aproximadamente, faziam um barulho de ensurdecer”.

O Dr. Maneco assistiu, na maior alegria, ao desfile dos bois com chifres enfeitados com fitas vermelhas, da sacada de seu sobrado. Por cautela, levava no bolso um “habeas-corpus” preventivo.

Os grevistas tinham como desculpa a entrega da lenha que carregavam, como donativo, para a Irmandade de São Benedito. E assim, depois de passearem pelas ruas de Mogi, despejaram no Largo Bom Jesus “a enorme quantidade de combustível que traziam’. 

Três dias mais tarde, a lei era revogada. “Com o dr. Maneco não queriam brinquedo” – conclui o autor.  

                                                                                                       Júlio Moreno

(Publicado em “O Diário de Mogi” de 10 de novembro de 2010)

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