Última sessão de um cinema

Na última sessão do próximo dia 27 do Cine Belas Artes, o “The End” de encerramento do filme “A Malvada”, um cult norte-americano (de 1950), poderá significar também o final do tradicional cinema.

Aberto em 1943, no número 2423 da rua da Consolação, esquina com a Avenida Paulista, em São Paulo, o Belas Artes está condenado a fechar em razão de uma decisão judicial que determina a entrega do prédio ao proprietário até fevereiro.

Suas salas não são lá muito confortáveis, mas o cinema representa um espaço cultural importante para a classe média paulistana. Fizeram sua fama a programação de filmes alternativos, o “Noitão” (sessão especial que dura toda madrugada), o fato de ter sido o primeiro multiplex brasileiro e a salinha que havia em seu porão, nos anos 60, onde eram exibidos em primeira mão filmes de vanguarda para jovens iniciantes na carreira cinematográfica.    

Há muita gente desejando seu tombamento. A idéia inicial foi do crítico Luiz Carlos Merten. O cineasta Carlos Reinchenbach escreveu um artigo de apoio dizendo que cada cinema de rua que fecha “equivale  a necrose da artéria da vida social da aldeia”. José Serra engrossou o time no Twitter, estudantes fizeram protestos…

A abertura do processo de tombamento pelo Compresp, o órgão de proteção do patrimônio da Capital, não garantirá a  sobrevivência do cinema no imóvel mas irá impedir o dono de dar-lhe novo uso até uma decisão final.  

O responsável pelo espaço, André Sturm, deixa outra esperança no ar: mesmo se cerrar as portas na Consolação, o Belas Artes não sairá necessariamente de cena. “Ele é mais do que um local, é um estado de espírito”. E poderá ressurgir  em outro endereço com filmes intelectualizados como “Medos privados em lugares públicos” (Alain Resnais), exibido lá desde 13 de julho de 2007, de forma ininterrupta.

Nascido Cine Ritz, em 1961 foi rebatizado como Cine Trianon, e finalmente em 1967 ganhou seu nome atual. Sobreviveu a um incêndio criminoso em 1982.  Em frente, do outro lado da Consolação, funcionou o Bar Riviera, point underground das décadas de 60 e 70,                    set da personagem Rê-Bordosa de Angeli.  

“O pior de tudo foi saber que o cinema vai sair dali para dar lugar a mais uma lojinha”, indigna-se o cineasta Fernando Meirelles. “Na Capital, o que vale é o capital. O resto é conversa”, sentencia o crítico Luiz Zanin.

Eis ai uma perfeita sinopse do roteiro desse drama urbano. O proprietário do imóvel, com justa razão, vai brigar pelos seus direitos. Alguns especialistas em patrimônio discutem a validade de tombamento de “usos” e não imóveis, como tradicional. Outros dizem que, na modernidade, o que vale é a visão da população: se tem valor cultural, merece preservação, seja prédio ou atividade.  E se a campanha tiver êxito, o que garante que o cinema continuará funcionando ? Será que alguém pensa em subsidiá-lo ?

Antes dos projetores apagarem de vez as luzes, os cinéfilos curtirão uma programação especial com filmes clássicos como “Morte em Veneza”,  “Encouraçado Potemkin”, “Meu Tio”, “Z” e “Quanto mais Quente Melhor”.   

E na noite do dia 27, serão brindados com um filme da 20th Century Fox ganhador de 6 Oscars, entre eles o de melhor filme e  diretor (Joseph L. Mankiewicz). Conta  a história de uma ambiciosa aspirante de atriz que trai a protetora para tomar seu lugar na Broadway. No elenco, nada menos que Bette Davis, Anne Baxter e Marilyn Monroe.

                                                                   Júlio Moreno

(Publicado em “O Diário de Mogi” de 19 de janeiro de 2011)

  1. Paulo Eduardo
    janeiro 20, 2011 às 12:14 pm

    Caro Julio,

    Se foram também os cines Parque, Odeon, Urupema, Avenida e tantos outros………
    E o que sobrou para assistir ?
    Os dvd’s em casa, levando-nos à preguiça dos tempos atuais ou, ratinhos, bbb’s, datenas e outros naufrágiso culturais.
    C’est la vie.
    La nave vá

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